quinta-feira, 2 de junho de 2016

CONTEÚDOS DE ENSINO RELIGIOSO - ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS

Tradições religiosas

Data de publicação: 04/05/2016
Tradições religiosas, partes da totalidade


A diversidade cultural inclui modos diferentes de ver o mundo, de significar a vida e de formar comunidade. Pode ser analisada sob o viés antropológico, em função da própria condição humana, que varia conforme o meio geográfico onde se encontra. O habitante do deserto, por exemplo, adquire características diferentes das de quem vive em terra fértil. Cada povo se adapta à sua realidade, e essa construção em múltiplas dimensões chama-se cultura e, por sua vez, encerra a religião.

Pluralidade, condição do saber humano
Dentre as inúmeras definições de cultura, recorremos à de Edward Tylor, antropólogo inglês do século 19, no livro Primitive culture: “Cultura, ou civilização, tomada no sentido amplo, etnográfico, é o complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”  (Tylor ,1958 p.1).
Se as condições geográficas inspiraram as culturas, também os universos religiosos surgiram da experiência empírica dos povos influenciados pela natureza. No Oriente, por exemplo, a China e a Índia, situadas em regiões férteis, elaboraram a partir das experiências agrícolas os conceitos religiosos como a reencarnação e a teoria do carma do hinduísmo; dukha e samsara do budismo.
Por outro lado, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, originados no deserto, dão ênfase ao firmamento e localizam Deus nos céus distantes, diferente do Deus próximo e imanente que é encontrado nas religiões orientais. Isso se deve ao fato de que, como diz Virgil Gheorghiu, jornalista e escritor romeno (1916-1992): “Os nômades vivem entre dois infinitos desertos. O infinito da areia, a seus pés, e sobre si o infinito azul do céu” (Gheorghiu, 2002, p. 12). Essa experiência empírica deve ter influenciado fortemente a construção do conceito de ressurreição, que não existe nas religiões do Oriente.

Ver e escutar a divindade
É notável a diferença na linguagem do conteúdo religioso. As teologias oriundas da terra fértil se expressam mais pela imagem, que é elemento primordial da espiritualidade e constitui, talvez, a mais antiga simbolização humana da presença do divino. No “ver” está compreendida uma expressão popular da terminologia hindi, a língua nacional da Índia: Darsan déna e darsan léna  (ver a divindade e ser visto por ela).
A cosmovisão do deserto, por sua vez, firmou-se mais na palavra e na poesia, pois a paisagem não oferece variedade de imagens, por isso toda a esperança de vida é investida no céu, seja ele azul ou estrelado. O ser divino é considerado como Palavra, portanto o desenvolvimento da espiritualidade dessas tradições religiosas parte do ato de ouvir.
Ao longo dos séculos, por meio das migrações, os universos cultural-religiosos se encontraram e confrontaram suas diferenças, o que provocou tensões e até conflitos. Cada religião pensava ser mais verdadeira do que a outra e tentava difundir sua mensagem em ambientes culturais diversos da própria origem. A observação do resultado dessa ação missionária leva a três conclusões: a) uma crença original assume diferentes faces em função da cultura na qual é inserida; b) em uma cultura religiosa dominante, a crença reveste-se das características da religião dominante; c) em uma cultura submissa, a crença impõe as suas características (Andrade, 2007, p. 223).

Ensino Religioso do fragmento à totalidade
A atual coexistência pluralista oferece novas formas de compreensão das tradições religiosas. A experiência do pluralismo religioso torna-se um apelo para a descoberta e a afirmação da própria identidade.
O mundo contemporâneo enfrenta dificuldades em descobrir o significado do Todo, em virtude da automatização e do individualismo da vida moderna. Temos muita pressa, e nossa vida gira na órbita do utilitarismo, o que faz de nós pessoas fragmentadas, capazes de vivenciar apenas frações do universo em que estamos inseridos.

A experiência do “nós” fundamenta toda comunicação humana, pois aponta para um envolvimento em múltiplas dimensões: família, grupo étnico, cultura, religião, sociedade... Ao Ensino Religioso, importa conhecer os mecanismos necessários para obter uma visão do Todo. Sabemos que nenhuma religião possui a visão total de Deus. A grandeza divina é revelada através de fragmentos e quando um fragmento se encaixa em outro e unimos os nossos pontos de vista, aproximamo-nos do Todo.
A abordagem proposta pelo Ensino Religioso é uma forma de unir diversos pontos de vista de uma única Realidade. Cada parte dessa diversidade é completa em si e por si, no seu contexto. Mas, quando confrontada com a Totalidade, encontra-se como um fragmento. Justamente esse confronto possibilita a experiência do diálogo inter-religioso. Qualquer ensino, seja religioso, cultural ou individual, necessita de um movimento. No âmbito pessoal, sair de si em direção ao outro; e no âmbito cultural, sair de uma cultura em direção à outra.

* Joachim Andrade
Natural da Índia e radicado no Brasil há 15 anos. Mestre em Antropologia Social e doutor em Ciências da Religião. Sacerdote, autor de diversos artigos científicos e coordenador do Ecumenismo e do Diálogo Inter-Religioso na Arquidiocese Católica Romana de Curitiba (PR).

Glossário
Carma: no hinduísmo, representa as conseqüências das escolhas e ações na vida de uma pessoa.
Dukha: no budismo, é o impulso de satisfazer as necessidades e desejos humanos. A ascética budista visa a superação da dukha, isto é, de todos os desejos e apegos.
Samsara: no budismo, significa andar, perambular. Representa o ciclo de mortes e renascimentos, na existência de um ser vivo.

Referências bibliográficas
AMALADOSS, Michael. Pela estrada da vida: prática do diálogo inter-religioso. Paulinas: São Paulo, 1995.  Idem. Rumo à plenitude: Em busca de uma espiritualidade integral. São Paulo: Edições Loyola, 1997.
ANDRADE, Joachim. Shiva abandona seu trono: destradicionalização da dança hindu e sua difusão no Brasil. Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – PUC/SP, 2007.
AYOUB, Mohamoud. Abraão e seus filhos: uma perspectiva muçulmana. In: Herdeiros de Abraão, o futuro das relações entre muçulmanos, judeus e cristãos. São Paulo: Paulus, 2007.
ERIKSEN, Thomas e NILSON, Finn. História da Antropologia. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 2007.
GHEORGHIU, V. A vida de Maomé. Coleção História narrativa, Edições 70, 2002.
GRIFFITHS, B. Retorno ao centro, o conhecimento da Verdade: o ponto de reconciliação de todas as religiões. São Paulo: Ibrasa, Instituição Brasileira de Difusão Cultural Ltda., 1992.
HINZE, Bradford e OMAR, Irfan. Herdeiros de Abraão: o futuro das relações entre muçulmanos, judeus  e cristãos. São Paulo: Paulus, 2007.
PANIKKAR, Raimon. Ícones do Mistério: A experiência de Deus. São Paulo: Paulinas, 2007.
Fonte: Diálogo 50 - MAIO/2008
Postado por: Diálogo Disponível em: http://www.paulinas.org.br/dialogo/pt-br/?system=news&id=13034&action=read





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