Enquanto sistemas
organizados de pensamento filosófico, espiritual, ético e moral que ditam a
conduta dos seres humanos no plano terreno sob o escrutínio de entidades
criadoras superiores, as maiores religiões do Mundo, com toda a sua
diversidade, parecem partilhar entre si alguns traços comuns. A grande maioria
defende princípios como a compaixão, a bondade, a abnegação, o respeito pelos
outros, e também a reverência pela Vida enquanto valor absoluto (em todas as
suas formas), e pela integridade da Natureza e do planeta Terra como lar e
património herdado do(s) deus(es) criador(es). Só estes têm o poder de decidir
sobre o respectivo destino. A prática religiosa deve fazer parte dos mínimos
gestos do dia-a-dia e a alimentação não pode ser excepção. Se, por um
lado, o respeito por todas as formas de vida induz muitos crentes a absterem-se
de matar e ingerir animais, por outro, o corpo, como templo do espírito, limpo
desses resíduos impuros, está pronto para acolher a divindade e para se elevar
a patamares mais elevados da evolução pessoal. Por todos estes motivos, e
embora na sua essência não esteja vinculado a nenhum movimento religioso, o
Vegetarianismo encontra expressão em muitos deles, percorrendo caminhos
paralelos desde tempos muito remotos. Este não é nem pretende ser um estudo
sobre religiões, mas um simples olhar sobre o lugar que o Vegetarianismo ocupa
em algumas delas:
Igreja Adventista do Sétimo Dia
Este culto nasceu nos E.U.A. e foi fruto do renascer do espírito religioso que insuflou muitas Igrejas Cristãs a partir de finais do séc. XVIII d.C. Houve um repensar do sentido da vida, do lugar do Homem no universo e dos termos de uma relação mais profunda e genuína com Deus. Os Adventistas do Sétimo Dia acreditam num Deus Justo e Misericordioso, origem de toda a criação, sendo a Bíblia a sua palavra escrita. Acreditam ainda no conceito de Juízo final e na segunda vinda de Jesus à Terra (daí o termo Adventista). O sétimo dia é o Sábado, dia em que, depois da criação, Deus descansou, e assim instituiu que fosse o dia do descanso, adoração e harmonia com as práticas e ensinamentos que transmitiu aos homens. Estima-se que existam mais de 15 milhões de crentes em todo o mundo, animados por forte espírito missionário. Os adeptos desta religião têm regras de conduta próprias: devem vestir-se de forma simples, cultivar um espírito pacífico e tranquilo, preservar o meio ambiente e velar pela sua saúde, através de uma alimentação racional e de um bom equilíbrio entre atividade física e descanso. Por um lado, estas práticas denotam disciplina e contenção; por outro, preservam o corpo enquanto receptáculo do Espírito Santo. Muitos adventistas privilegiam, por isso, o regime vegetariano (o mais generalizado é o ovo-lacto-vegetariano) e a isto não será alheio o contexto histórico-social: é que o advento desta religião deu-se no séc. XIX, altura de grandes reformas na área da saúde e de difusão do movimento Vegetariano. A alimentação dos Adventistas privilegia os cereais integrais (os famosos cereais de pequeno-almoço Kellogs foram criados por John H. Kellogg, um Adventista), fruta, verduras e oleaginosas; evitam as gorduras, a cafeína e os condimentos muito estimulantes. Rejeitam o tabaco, álcool e drogas. Esta comunidade tem sido alvo de centenas de estudos e artigos científicos em matéria de saúde. Com efeito, estão referenciados como uma das comunidades a nível mundial que apresenta maior longevidade, atribuída ao seu regime alimentar. Apresentam uma baixa prevalência de vários tipos de cancro e doença cardiovascular.
Dão de tal modo importância à educação e à saúde, que criaram em todo o mundo várias escolas (onde as crianças podem seguir uma alimentação vegetariana), incluindo a Universidade de Linda Loma (Loma Linda University Adventist Health Sciences Center) nos EUA, responsável por vários estudos sobre a alimentação vegetariana.
Em Portugal, os Adventistas levam a cabo várias iniciativas para promover um estilo de vida saudável: edição da revistaSaúde e Lar, publicação de vários livros que preconizam o vegetarianismo, realização de Expos-Saúde em várias localidades.
Um pouco por todo o Mundo, e em Portugal também, alguns restaurante vegetarianos são da responsabilidade de Adventistas.
Jainismo
Esta corrente de pensamento Indiana terá começado há quase 3.500 anos, mas tomou a forma atual cerca de 600 anos a.C. com o Príncipe Vardhamana Mahavira (apelidado de Jina, O Vitorioso, nome que está na origem da palavra Jainismo). O Jainismo tem muito em comum com o Hinduísmo, pois preconiza a libertação dos laços com o mundo terreno e material. No entanto, rejeita o sistema de castas, as divindades, a realização de sacrifícios e os privilégios dos sacerdotes. Quase contemporâneo de Buda, também Mahavira trocou o seu estatuto de príncipe por uma vida ascética.
Os Jainistas acreditam que o mundo não tem princípio nem fim. A sua filosofia tem cinco princípios, começando por Ahimsa, não-violência, que respeita toda as formas de vida (humana, animal ou vegetal), pois crê que todas são sagradas, tendo uma alma eterna potencialmente perfeita e santa. Os outros princípios são: Satya (verdade), Asteya (não roubar), Brahmacharya (castidade) e Aparigraha (desapego da coisas terrenas). Existem cerca de 4 milhões de Jains em todo o Mundo, principalmente na Índia. Os monges Jains em particular seguem uma vida de ascetismo rigoroso, jejuns, mortificações, meditação e estudo. Muitos não usam mesmo qualquer vestuário, tal o seu grau de desapego. São rigorosamente vegetarianos, como demonstração de respeito por todas as formas de vida. Levam este preceito a tal ponto que cobrem a boca com um lenço sempre que saem para o exterior, filtram a água antes de bebê-la, não saem à noite, e espanam delicadamente todo o local onde se sentam, tudo para evitar matar ou causar danos aos insectos ou animais mais pequenos.
Sikhismo
Sikh significa “Discípulo”, ou “Disciplina”. Esta religião, síntese entre o Hinduísmo e o Islamismo, foi fundada no séc. XV d. C. pelo Guru Nanak, um mestre espiritual Indiano, que reprovava a hostilidade entre Hindus e Muçulmanos, pois considerava que todos são iguais perante o mesmo Deus único. O Guru Nanak pregava uma doutrina de amor, compreensão e igualdade, independentemente da raça, casta ou sexo. Encorajava a educação, a vida em família, o trabalho duro e honesto, a renúncia à idolatria e aos desejos impuros e a igualdade entre homens e mulheres. A sua mensagem foi transmitida nos séculos seguintes por dez outros gurus e sobrevive hoje numa compilação de escrituras sagradas, o Guru Granth Sahib, que é venerada no Templo de Ouro, na cidade sagrada para os Sikhs, Amritsar. Existem atualmente cerca de 23 milhões de Sikhs em todo o Mundo, a maioria concentrada no Punjab. Um dos preceitos seguidos pelos Sikhs é o que os proíbe de cortarem um único pêlo do corpo durante toda a vida, como sinal de submissão à vontade de Deus. Esta religião sem clero prega o serviço comunitário, sendo uma das suas faces mais visíveis os Langar, cozinhas comunitárias instaladas na área dos templos e onde são cozinhadas e servidas gratuitamente milhares de refeições a quem as pedir, sem qualquer discriminação de classe social, religião ou casta. Essas refeições são estritamente vegetarianas, para que as pessoas de todas as religiões, inclusive as que têm regras próprias (como os judeus e os muçulmanos) as possam degustar. Os Sikhs renunciam ao álcool e ao tabaco. Mais de metade é vegetariana. Os restantes abstêm-se de comer carne que não seja de animais abatidos segundo regras estritas.
Hare Krishna
O estilo de vida e crenças filosóficas praticadas pelos seguidores deste movimento baseiam-se nas escrituras milenares Hindus, entre elas o Bhagavad-Gîta, o principal livro do Movimento Hare Krishna. Os preceitos aí incluídos terão sido proferidos há 5.000 anos pelo próprio Krishna ao seu companheiro e discípulo Arjuna. Entretanto, esse conhecimento ter-se-á perdido quase na totalidade, até ao início do séc. XVI, quando se deu na Índia um grande renascimento espiritual encabeçado por Sri Chaitanya Mahaprabhu. Este grande Mestre fez renascer a devoção a Krishna, granjeando milhões de seguidores em todo o subcontinente Indiano.
Mais tarde, em 1966, seria um dos discípulos do movimento, Sri Bhaktivedanta Swami Prabhupada, quem depois trouxe para o mundo ocidental os ensinamentos de Sri Chaitanya. Fundou a Sociedade Internacional da Consciência de Krishna (ISKCON) em Nova Iorque, que rapidamente teve grande acolhimento em toda a América do Norte e Canadá. Na década seguinte, a sociedade tornou-se uma confederação mundial de mais de cem templos, escolas, institutos e fazendas comunitárias. Estima-se que exista atualmente cerca de 1 milhão de praticantes em todo o mundo.
Com base numa passagem do Bhagavad Gîta, os Hare Krishna acreditam que a diferença entre a morte e a vida é relativa, pois a consciência presente no ser humano participa do divino e existe desde sempre e para sempre. Todos os seus actos e pensamentos, até os mais corriqueiros do dia-a-dia, devem ser uma oferenda a Krishna e a maneira mais imediata de obter a consciência de Krishna é recitar o seu nome várias vezes por dia. Ao atingirem esse estado, o ciclo das reencarnações é interrompido e o crente consegue finalmente a união com Krishna.
Os Hare Krishna praticam uma dieta lacto-vegetariana. É conhecido o seu programa de distribuição gratuita de refeições lacto-vegetarianas, Food for Life, junto das populações que vivem abaixo do limiar da pobreza. Está distribuído um pouco por todo o Mundo, incluindo Portugal, e foi desencadeado pelas palavras de um Mestre durante um evento religioso: “Ninguém, num raio de 10 milhas de qualquer um dos nossos templos, passará fome”.
Também em muitos países, incluindo Portugal, é possível encontrar alguns restaurantes vegetarianos inspirados por esta filosofia religiosa.
Fonte: http://www.centrovegetariano.org/Article-470-O%2BVegetarianismo%2Bem%2Balgumas%2BReligi%25F5es.html
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