Sérgio Biagi Gregório
SUMÁRIO: 1.
Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. O Mito, o Rito e a
Religião: 4.1. O Que se Entende por Mito?; 4.2. O Rito; 4.3. As Religiões
Organizadas dão Prosseguimento ao Rito. 5. O Sincretismo Religioso: 5.1. O Que
se Entende por Sincretismo?; 5.2. Sincretismo Filosófico-Religioso; 5.3. Outros
Tipos de Sincretismos. 6. Ritualismo no Espiritismo?: 6.1. O Passe Espírita;
6.2. Trabalhos Práticos; 6.3. A Fluidificação da Água como Ritualismo. 7.
Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.
1. INTRODUÇÃO
O Espiritismo tem ritual? E os espíritas? É permitida a
prática de rituais nos Centros Espíritas? Como detectá-las? Eis aí algumas
questões que poderiam ser formuladas para a reflexão sobre este tema. O nosso
roteiro comporta o estudo do mito, do rito, do sincretismo religioso e as
comparações que se podem fazer com a Doutrina dos Espíritos.
2. CONCEITO
Rito
– ato religioso simbólico e institucionalizado cuja
eficácia é de ordem extra-empírica, pelo menos parcialmente. Para realizar este
ato utilizam-se, por vezes, objetos. Do ponto de vista da antropologia, o rito
visa a fazer viver por uma coletividade mitos religiosos ou sociais, ou, pelo
menos, permitir-lhe representar crenças mágicas. Em outras palavras, regras e
cerimônias que se devem observar na prática de uma religião. (Thines, 1984)
Ritual – conjunto de práticas consagradas pelo uso e/ou
normas, e que devem ser observadas de forma invariável em ocasiões determinadas.
Ritualismo – conjunto de ritos. Apego excessivo a
cerimônias, sem suficiente atenção ao significado que veiculam.
3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A curiosidade sobre a origem das coisas é um dos principais
estímulos à pesquisa científica, filosófica e religiosa. Impossibilitado, porém,
de conseguir uma explicação concreta, o ser humano apela para os fatores
mágicos, principalmente os mitológicos. Nesse mister, a história da Humanidade
está repleta de mitos. O mito era uma visão, uma percepção de como tudo começou.
O Cristianismo, que adota o Velho e o Novo Testamento, tem o seu mito de criação
nas figuras de Adão e Eva. Nesse mito, Deus, o criador do céu e da terra,
constrói o Adão do barro, sopra-lhe as narinas e lhe dá vida. Depois, vendo-o
só, criou-lhe a Eva, da sua própria costela.
Ritualismo vem de ritual. Ritual vem de rito. O rito está
ligado ao mito. O mito vem da mitologia. A mitologia, por sua vez, nada mais é
do que um conjunto de mitos. Esta correlação de idéias mostra que um elemento
nunca está isolado. Ele faz parte de uma idéia mais ampla. Procuremos aprofundar
então o assunto em questão.
4. O MITO, O RITO E A RELIGIÃO
4.1. O QUE SE ENTENDE POR MITO?
Mito
- do gr. mythos - discurso, narrativa, boato,
legenda, fábula, apólogo. Originariamente, o termo significava uma narrativa
fantasiosa da genealogia e dos feitos das divindades do politeísmo registrados
nas teogonias. Aos poucos, o termo se foi carregando de novos sentidos.
Sociologicamente, é a narrativa imaginária de origem popular: "os mitos
cosmogônicos". Historicamente, é a exposição de uma doutrina sob a forma
de narrativa alegórica: "os mitos platônicos". Vulgarmente, é a
dramatização das grandes aspirações frustradas do grupo: "mito da greve geral".
(Cuvillier, 1961)
O mito comporta um sentido próprio e um sentido figurado. Em
sentido próprio, o mito significa uma fábula arquitetada pela
fantasia humana para personificar entidades do espírito ou da natureza. Exemplo:
Zeus é Deus na mitologia grega. Em sentido figurado, o mito é a
atribuição de um valor absoluto a uma entidade relativa. Exemplo: modernamente,
somos impelidos a enriquecer e ter posição de destaque; caso não o
consigamos, somos desprezados pelos que o conseguiram.
4.2. O RITO
As formas de culto variam muito dentro das diferentes
religiões e culturas. No entanto, em quase todos os cultos realizam-se
cerimônias sagradas, os ritos, cuja prática está a cargo de sacerdotes. O
que se pratica no rito é relacionado no mito, a história sagrada. As
palavras do mito explicam os acontecimentos sagrados e sua origem. Nas religiões
primitivas acreditava-se que os próprios deuses estavam presentes durante os
ritos naturais e criacionistas.
Os ritos mágicos de fertilidade, com sacrifício de
vitimas aos deuses, existem em muitas culturas antigas. Nas religiões de
mistérios da antiguidade, por exemplo, celebravam-se ritos de
salvação ligados ao mito de um deus que morre e ressuscita, para purificar e
renovar o indivíduo humano. Alguns aspectos do sentido dos antigos ritos revivem
nos sacramentos do cristianismo, sobretudo no sacrifício da missa católica.
(Enciclopédia Combi, verbete Religião)
4.3. AS RELIGIÕES ORGANIZADAS DÃO PROSSEGUIMENTO AO RITO
Na Antiguidade acreditava-se que os sacrifícios cruentos
proporcionavam ao homem forças revigoradoras. No rito do culto a Mitra matava-se
um touro, e seu sangue era derramado sobre um homem situado debaixo do lugar da
cerimônia, efetuada para conseguir a salvação e forças renovadoras.
Nas Igrejas católicas, a celebração eucarística, que se
realiza precisamente durante a missa, converte o altar num lugar sagrado, porque
é nele que a divindade se encontra presente.
Nos templos hindus, segundo tradição antiqüíssima, os
sacrifícios oferecidos no altar significam que a criação e a ordenação do mundo
se renovam.
Nos templos egípcios, numa arca santa, guardava-se a imagem
do deus, a cujo serviço estavam os sacerdotes; essa imagem era lavada, vestida,
alimentada etc.
Atualmente, vemos uma série de rituais divulgados pela mídia
televisiva, como é o caso do "descarrego" e o aparecimento de pessoas que
chicoteiam o corpo para "purgar o pecado".
5. O SINCRETISMO RELIGIOSO
5.1. O QUE SE ENTENDE POR SINCRETISMO?
Sincretismo
– significa, originariamente, união dos
cretenses contra o inimigo comum, porque habitualmente estavam desunidos. No
século XVII, porém, pensando que o temo procedia do verbo misturar, passou ele a
significar mescla de doutrinas derivadas de diversa proveniência: católica,
luterana, calvinista. A partir daí, o conceito alargou-se a toda a forma de
mistura – por justaposição, composição, sobreposição ou fusão – de doutrinas, de
ritos, de imagens, de símbolos. (Enciclopédia luso-brasileira de Cultura)
5.2. SINCRETISMO FILOSÓFICO-RELIGIOSO
O Helenismo fornece subsídios para a edificação do Judaísmo e
do Cristianismo, na medida em que estes passam a interpretar as revelações com
base na filosofia grega, dogmatizando-as na forma de raciocínio concreto.
Na Patrística (Séc. I a V), o posicionamento de
Santo Agostinho (354-430), frente ao platonismo, não é meramente passivo, pois o
reinterpreta para conciliá-lo com os dogmas do cristianismo, convencido de que a
verdade entrevista por Platão é a mesma que se manifesta plenamente na revelação
cristã. Assim, apresenta uma nova versão da teoria das idéias, modificando-a em
sentido cristão, para explicar a criação do mundo. Deus cria as coisas a partir
de modelos imutáveis e eternos, que são as idéias divinas. Essas idéias ou
razões não existem em um mundo à parte, como afirmava Platão, mas na própria
mente ou sabedoria divina, conforme o testemunho da Bíblia.
Na Escolástica (Séc. XI a XV), Santo Tomás de Aquino
(1221-1274), utiliza a filosofia de Aristóteles para explicar a relação entre fé
na revelação e razão. Ele conseguiu estabelecer o perfeito equilíbrio nas
relações entre a Fé e a Razão, a teologia e a filosofia, distinguindo-as mas não
as separando necessariamente. Ambas, com efeito, podem tratar do mesmo objeto:
Deus, por exemplo. Contudo, a filosofia utiliza as luzes da razão natural, ao
passo que a teologia se vale das luzes da razão divina manifestada na revelação.
Há distinção, mas não oposição entre as verdades da razão e as da revelação,
pois a razão humana é uma expressão imperfeita da razão divina, estando-lhe
subordinada. Por isso o conteúdo das verdades reveladas pode estar acima da
capacidade da razão natural, mas nunca pode ser contrário a ela.
5.3. OUTROS TIPOS DE SINCRETISMOS
O dogma da Santíssima Trindade do Catolicismo foi tirado das
grandes religiões da Antiguidade. Observe que no Egito tínhamos a trindade
Osíris, Ísis e Hórus.
A Umbanda, considerada uma religião tipicamente brasileira,
tem traços dos nossos indígenas, dos católicos e dos africanos.
As palavras chakra e carma tão exaustivamente
utilizadas no meio espírita foram extraídas do Esoterismo.
O corpo fluídico de Cristo foi extraído das teorias de
Roustang, um contemporâneo de Allan Kardec.
6. RITUALISMO NO ESPIRITISMO?
6.1. O PASSE ESPÍRITA
No totemismo havia a concepção de "maná", uma força
espiritual que se podia captar e passar aos outros através do passe. De acordo
com os seus rituais, eles levantavam as mãos e captavam tal força, hoje
denominada de magnetismo. Em nosso caso, quando fazemos os movimentos de
levantar as mãos para captar esses fluidos nós estamos criando uma forma de
ritualismo sem o percebermos. O levantar as mãos é um ritualismo; o movimento
que fazemos com as mãos para favorecer alguém, não o é, visto que há
comprovações empíricas de que transmitimos energia pelas mãos, pelos olhos e
pelo corpo. (Curti, 1985, p. 128 a 130)
6.2. TRABALHOS PRÁTICOS
Há dirigentes que costumavam fazer assentar em torno da mesa,
intercaladamente, um homem e uma mulher, alegando que o sexo masculino,
representando a corrente positiva, exige a sua intercalação com a negativa, para
que se forme o casamento fluídico.
Alguns dirigentes determinam que os Espíritos se manifestem
começando da direita para a esquerda da mesa ou vice-versa, como se isso
constituísse ordem na sessão. Não há razão plausível para essa prática de se
submeterem os Espíritos à colocação em filas.
Não fazer nada sem que se consulte o mentor do trabalho. Os
mentores espirituais, mesmo sendo mais evoluídos que os médiuns presentes, devem
transmitir a sua mensagem através do cérebro do médium, o que dificulta muito a
comunicação dependendo do grau evolutivo deste.
Há Centros Espíritas que, por absurdo que pareça, têm o
hábito de recomendar a prática de novenas aos seus frequentadores, a fim de
possam alcançar as graças desejadas.
Altares e imagens que se encontram em alguns centros
espíritas são resquícios das ligações com o catolicismo e o umbandismo. Como se
sabe, no tempo da escravidão, os escravos pretendiam realizar os seus cultos
trazidos da África e não tinham permissão. Eram obrigados a seguir a religião
romana, que naquele tempo tinham o cunho de oficialidade. Contudo, os escravos
fiéis à sua crença e desejosos de ouvir a palavra de seus oguns, Xangô e outros,
(Vieira, 1967)
6.3. A FLUIDIFICAÇÃO DA ÁGUA COMO RITUALISMO
O Espírito Meimei, no livro Evangelho em Casa, diz que
a água é reconhecidamente um dos corpos mais sensíveis à magnetização. O
Espírito Emmanuel, no livro Segue-me, esclarece-nos que a água é dos
corpos mais simples e receptivos da Terra. O Espírito André Luiz, no Livro
Nosso Lar, sugere-nos a fluidificação da água potável, pois precioso efeito
de medicação pode ser levado a sério.
Os guias espirituais, acima citados, enaltecem o recurso da
magnetização da água. Perguntaríamos: em que sentido o ato de magnetizar a água,
no Centro Espírita, se torna um ritual? Quando o freqüentador busca no ato um
subterfúgio irreal para obter a sua cura. Ele simplesmente levaria uma garrafa
de água e esperaria que tudo o mais se resolvesse como num toque de mágica, sem
esforço, sem trabalho, sem estudo da doutrina etc. Não podemos deixar que a
providência de Deus seja mercantilizada como sendo uma coisa meramente material.
7. CONCLUSÃO
A prática doutrinária do Espiritismo exige vigilância
constante. Não confundamos os meios com os fins, a aparência com a essência.
Lembremo-nos: "Todo o espírita é espiritualista, mas nem todos os
espiritualistas são espíritas". Allan Kardec, instruído pelos Espíritos
superiores, trouxe-nos os princípios fundamentais desta Doutrina. Os
"acréscimos" vindos do esoterismo, da umbanda e do novo espiritualismo, embora
respeitáveis, podem ser prejudiciais à verdadeira elaboração do pensamento
espírita.
8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
CURTI, R. O Passe:
Imposição de mãos. São Paulo: Lake, 1985.
CUVILLIER, A.
Pequeno Vocabulário da Língua Filosófica. São Paulo: Nacional, 1961.
ENCICLOPÉDIA COMBI
VISUAL. Barcelona: Ediciones Danae, 1974.
ENCICLOPÉDIA
LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]
THINES, G., LEMPEREUR,
A. Dicionário Geral das Ciências Humanas. Lisboa: Edições 70, 1984.
VIEIRA, E. M.
Dirigentes de Sessões e Práticas Espíritas. São Paulo: Lake, 1967.
São Paulo, abril de 2004
Disponível em: http://www.ceismael.com.br/artigo/ritualismo-e-espiritismo.htm
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