O Alimento na Religiosidade
Zen Budista
Publicado originalmente na revista Diálogo –
Revista de Ensino Religioso, nº 63, de Agosto/Setembro 2011 – pp. 20 – 25.
Nas religiões orientais há vários rituais dos quais
os alimentos fazem parte, assim como em quase todas as religiões. As famílias
japonesas da tradição zen-budista costumam ter em suas casas um butsudan
– altar –, contendo uma imagem de Buda, tabletes memoriais, ou ihai, com
os nomes dos antepassados e outros familiares falecidos, vela, incensário e
vaso para flores. Há também uma taça para a oferta de água. Diariamente, alguém
da família troca a água, acende a vela, oferece incenso e faz a leitura de um
sutra – texto sagrado budista – em frente do altar. Pode ser que se ofereça
também um pouquinho de arroz e, frequentemente se oferece alguma fruta – como maça,
pêra ou laranja, ou algum doce.
Uma vez ao mês, as famílias recebem um monge, que
faz a leitura de sutras para os antepassados. Nessas ocasiões, outros membros
da família talvez participem desta pequena cerimônia. Neste dia, a oferta de
uma refeição é feita, usando um conjunto de pratinhos especiais.
Nos mosteiros, os monges costumam usar um conjunto
de tigelas – oryoki – para comer e as refeições são acompanhadas da
recitação de versos, relembrando o esforço de trabalhadores no plantio,
colheita e transporte dos alimentos.
As duas refeições principais nos mosteiros são o
café da manhã e o almoço. Quando a comida está pronta, o cozinheiro chefe – tenzo
– prepara uma oferta desta comida em tigelas de tamanho reduzido e a coloca
numa bandeja alta chamado sambô. Ainda na cozinha, o tenzo coloca
a oferta sobre a mesa, oferece incenso e faz nove prostrações. Então leva o sambô
com a oferta até a sala de meditação, onde ela será colocada no altar, como uma
oferta à memória de Buda.
No momento do almoço, os monges coloquem um
pouquinho de arroz como uma oferta especial – sabá – para alimentar os gaki
– espíritos famintos. Todo dia, no serviço vespertino, recitam, de uma forma
simples e sem oferendas, o Sutra do Portal da Doce Néctar – Kanromon ,
simbolicamente oferecendo alimento novamente aos espíritos famintos.
Este sutra é composto de três partes:
1ª) Saudação aos Budas do Passado, ao Darma e à
Sanga, ao Shakyamuni Buda, à Kannon Bodisatva e ao Venerável Ananda que são
convidados para ocuparem o âmbito purificado para presenciar e dar aprovação à
cerimônia.
2ª) Oferta, aos espíritos famintos, de comida e
bebida, para que se tornam satisfeitos e despertem à prática e aos ensinamentos
de Buda.
3ª) Recitação da Palavra Verdadeira – Shingon –
e boas vindas aos Cinco Tatagatas – Go Nyorai – para conduzir
todos os espíritos do mundo de sofrimento à Terra Pura.
Mas quem são estes “espíritos famintos”?
O conceito de “espíritos famintos” já fazia parte
da cultura da Índia antiga, num período anterior ao Budismo, e pode ser
encontrado em várias religiões. No Budismo, a tradição de “alimentar os
espíritos famintos” começou na Índia e passou para os outros países, como
China, Tibete, Japão, Tailândia, etc. na expansão dos ensinamentos budistas.
De acordo com o Ullambama Sutra, um dos
monges-discípulos de Buda, o Maudgalyāyana, tinha o poder de
clarividência. Um dia, viu a sua mãe, que havia sido uma pessoa gananciosa e
ciumenta durante sua vida, sofrendo num dos infernos. Havia se tornado um
espírito faminto, um ser com uma barriga enorme, braços e pernas magros e um
pescoço finíssimo como um palito. Devido ao pescoço tão fino, não conseguia
engolir comida suficiente para satisfazer a sua fome. Sofria muito, sentindo-se
“faminto” o tempo todo.
O Buda instruiu este monge a fazer uma oferta de
alimentos à comunidade monástica no dia depois do final do retiro de verão
tradicional dos monges. Assim que foi feito a oferta, o Maudgalyāyana
viu, através de clarividência, que a sua mãe já estava livre de seu sofrimento
e renascendo no mundo dos humanos. De tão alegre, ele dançou, o que deu origem
de um tradicional modo japonês de dançar chamado Bon Odori.
Na China, devido à influência do confucianismo e
taoismo, a oferta passou a ser direcionada também aos antepassados. No taoísmo
acreditava-se que pessoas que sofrerem mortes violentas tornaram-se espíritos
famintos. Deixar de realizar os serviços em memória dos antepassados com
ofertas de alimentos levava-os a virar espíritos famintos que poderiam causar
dificuldades para os vivos.
Isso, durante o sétimo mês lunar, período durante o
qual se acredita que os portões dos infernos se abrem e os espíritos vêm à
terra em busca de comida e entretenimento. Os chineses realizam, até hoje, o
Festival dos Espíritos Famintos, quando oferecem alimentos e diversões, como
música e danças aos antepassados, sendo que nas apresentações, as primeiras
fileiras de assentos são reservadas para os espíritos famintos e ficam vazias.
Desde 657, os budistas japoneses observam o O-bon,
a versão japonês deste festival chinês. Atualmente, nos dias 13 a 15 do mês de
julho ou de agosto, conforme a região no Japão, as famílias se reúnem para esta
celebração. É um feriado nacional, quando todos procuram viajar até o local de
seus ancestrais, para visitar o túmulo da família, participar da cerimônia
religiosa Sejiki-e e alimentar os espíritos.
No dia 13, pequenos fogos são acesos, para servir
de guias para os antepassados voltaram à casa da família para uma visita
durante três dias.
Os monges budistas fazem a visita habitual em
frente do altar da família, que está montado de uma forma especial com ofertas
especiais de alimentos para este período festivo.
Dança-se o Bon O-dori, que lembra a dança do
monge Maudgalyāyana , a fim de dizer aos ancestrais que não se preocupem
com seus descendentes, pois estão bem.
Para a Cerimônia Religiosa de Alimentar os
Espíritos, o templo é decorado com faixas coloridas e um grande altar – Obon-dana
ou Tama-dana – é montado à entrada do templo para facilitar a chegada de
espíritos dos infernos e que podem sentir medo de chegar perto do altar
principal onde tem a imagem de Buda, um ponto de muita luz. Uma grande
variedade de alimentos é colocada sobre este altar: verduras, frutas e produtos
alimentícios secos, além de três tigelas especiais: uma com arroz cozido, outra
com água limpa e a terceira com uma mistura de arroz cru, lavado e misturado
com pequenos pedaços de verduras picadas – mizunoko. Ramos de cedro
verde ou de bambu são amarrados em pé nos quatro cantos deste altar.
No centro do altar, é colocado um tablete memorial
especial com as palavras San Gai no Ban Rei, isto é, Para Todos os
Espíritos nos Três Mundos. Este ritual é dedicado aos espíritos que depois da
morte não têm quem cuide de suas sepulturas, pois não mantem nenhum relacionamento
com qualquer pessoa viva.
Na cerimônia, é recitado o sutra Kanromon,
durante o qual o oficiante faz um ritual de chamar os espíritos famintos e
preparar um alimento especial que é dado a eles.
As oferendas são expressões de gratidão aos
antepassados, pois além da função de “alimentar os espíritos famintos”, esta é
uma cerimônia de lembrança dos antepassados. Assim, os tabletes memoriais dos
ancestrais das famílias que estão participando da cerimônia também são
colocados neste altar e os seus nomes são lidos durante a cerimônia.
No último dia do O-bon, lanternas de papel –
chôchin – são lançadas nos rios para iluminar o caminho de retorno para
os ancestrais.
Uma cerimônia semelhante é realizada nos
equinócios, também com oferendas de vários tipos de alimentos.
Talvez o aspecto mais importante destas cerimônias
esteja no aprender a alimentar o “espírito faminto” que há dentro de nos. Todos
têm um lado ganancioso, insaciável, e muitos não abrem o coração para receber
ajuda. Ficamos insatisfeitos, sempre querendo mais – um novo celular, um novo
jogo, uma nova roupa, um novo par de tênis, mais dinheiro…
Ao realizar as cerimônias de alimentar os espíritos
famintos, na verdade, se está cuidando de si mesmo, para que possa ficar
satisfeito.
Ao colocar oferendas de alimentos no altar, se está
alimentando a si mesmo, a fim de descobrir o contentamento e, assim, realizar o
Caminho de Buda e encontrar a paz e tranquilidade.
SUGESTÃO DE ATIVIDADE:
(Textos para o caderno: ensinoreligiosoemsala.blogspot.com.br - Professora Adriana)
(Textos para o caderno: ensinoreligiosoemsala.blogspot.com.br - Professora Adriana)
texto muito interessante, sou catolica e o unico ritual que pratico e conheço em minha religião é o habito de oferecer flores aos nossos falecidos, gostaria de outros de conteudos semelhantes.
ResponderExcluirgoxtei
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