Assunto deve ser abordado apenas como conteúdo pedagógico
PorCamila CamiloRosi RicoLucas Freire
04/12/2015
De manhã, estudantes e educadores se reúnem no pátio e fazem uma oração. Um aluno é convidado a ler um versículo da Bíblia ou uma mensagem em um livro com pílulas de sabedoria. Em seguida, todos vão para as classes, onde crucifixos pendurados bem acima do quadro negro chamam a atenção.
A cena ainda é comum em muitas escolas públicas brasileiras. Segundo levantamento do site QEdu, com base em dados da Prova Brasil de 2011, em 51% das unidades estaduais ou municipais há reza ou músicas religiosas antes de aulas ou intervalos e 24% expõem símbolos ou imagens de santos à vista de todos. Entre as que oferecem Ensino Religioso (66%), 79% não têm atividades alternativas para quem não deseja participar da aula, conforme definido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
De acordo com a Constituição Federal, o Estado brasileiro é laico, portanto, as escolas públicas, a fim de cumprirem a lei, devem se desvincular de toda religião. Mas os motivos para isso vão além do alinhamento com a legislação. Embora muitos educadores acreditem que a prática ajuda a ensinar ética e moralidade, sua presença no espaço escolar, além de ser uma maneira de doutrinação, constrange o estudante que é ateu ou segue outra crença.
É o que afirma Roseli Fischman, autora de Estado Laico, Educação, Tolerância e Cidadania - para uma Análise da Concordata Brasil - Santa Sé (disponível em abr.ai/estadolaico). Para Roseli, coordenadora da Pós Graduação em Educação da Universidade Metodista, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, a instituição de ensino é um lugar de convívio e aprendizado. Por isso, deve estabelecer um ambiente propício à diversidade. Isso significa tratar o assunto com imparcialidade e retirá-lo dos hábitos diários, independentemente do ponto de vista pessoal dos gestores. "A escola é o primeiro contato da criança com o Estado e precisa garantir acolhimento e respeito, sem impor conteúdo de fé, seja ele qual for", afirma.
É o que faz a EMEF São Sebastião, em Tapiramutá, a 351 quilômetros de Salvador. Na instituição, não há objetos ligados a um credo, aulas específicas nem orações em grupo. "Aqui, temos estudantes, professores e funcionários de diferentes vertentes evangélicas, católicos e praticantes do candomblé ou da umbanda. Temos que respeitar essa decisão que é individual ou familiar, por isso as religiões só entram como conteúdos curriculares, para compreender melhor um fato histórico, por exemplo", explica a diretora Maristela de Oliveira Rocha.
Em recente bate-papo com leitores de NOVA ESCOLA e GESTÃO ESCOLAR (disponível em abr.ai/religiao), a geógrafa Adriana Quedas defendeu abordagem semelhante. Para ela, quando o tema é tratado nas aulas de História ou Geografia, deve ser sem tom confessional, mas como componente das transformações vividas pelo homem. "Assim, o aluno percebe como a cultura e os espaços são construídos, sem que isso interfira na sua crença pessoal", aponta.
Ilustração: Raphael Salimena
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